Pare e pense por um minuto. Quando se debatem os preconceitos existentes no Brasil e no mundo, praticamente todas as pessoas concordam que ele existe. Experimente perguntar quem ja foi vitima de preconceito ? voce vera muitos bracos levantados. Agora, questione quem ja foi preconceituoso em relac?o a alguem. Surpresa! As pessoas n?o respondem sinceramente a essa ultima quest?o. Por que sera?
Quem explica e a doutora em Sociologia, mestre em Antropologia Social e professora da PUC do Rio de Janeiro, Sonia Maria Giacomini. ?A esse mecanismo, o estudioso Florestan Fernandes, buscando entender a cultura brasileira, chamou de ?o preconceito de ter preconceito?. Ou seja, como as pessoas n?o aceitam o fato de serem preconceituosas, o unico reconhecimento delas e na condic?o de vitimas.?
Entrando no ambiente escolar, percebe-se que muito tem sido discutido a respeito da melhor forma de inclus?o dos alunos. Luta-se para que sejam aceitos, bem educados, para que facam amizades na escola e consigam sofrer o menos possivel durante esse processo. Mas ?perai?, quantos professores negros lecionam na mesma escola que voce? Quantos professores com algum tipo de deficiencia s?o seus colegas de trabalho?
Quest?es como essas precisam ser feitas e respondidas para evitar o que Sonia chama de naturalizac?o do preconceito. ?Para enxergar o preconceito e realmente trabalha-lo s?o necessarias algumas tecnicas de reconhecimento de atitudes e comportamentos preconceituosos?, ensina. Como fazer isso? ?Exercicios e dinamicas de grupo em que prenoc?es e evitac?es fiquem evidenciadas podem ajudar?, diz ela. Na sua escola, eles podem ser desenvolvidos pela orientadora educacional ou pela psicologa escolar.
Quem partilha da mesma opini?o e a doutora em Antropologia e professora da Universidade de Brasilia, Cristina Patriota de Souza. De acordo com ela, precisa haver uma mudanca de mentalidade que n?o se efetua somente a partir de instruc?es teoricas dadas aos professores. ?E preciso que haja a experiencia, a convivencia com o diferente, para que percebamos que ele n?o e t?o diferente assim.?
Partindo desse principio, ela reitera que politicas de ac?o afirmativa ? como as cotas universitarias ? s?o medidas necessarias, ainda que em carater temporario, para alterar o espectro das hierarquias sociais.
Um discurso, outra realidade
Cristina afirma que, no Brasil, o preconceito geralmente e sutil. As vezes, se reflete em padr?es de beleza que valorizam tracos ?brancos?, como cabelos lisos e olhos claros. Outras vezes, aparece em forma de brincadeiras, piadas e apelidos. ?Mas ha tambem diferencas em termos de incentivo por parte de professores que, mesmo sem perceber, d?o mais ouvidos a alguns colegas do que a outros.? E essa diferenca de tratamento pode acontecer quando o funcionario em quest?o e negro, deficiente, esta acima do peso. Todas essas s?o formas de discriminac?o velada e, por isso, socialmente aceitas. Mas ainda assim caracterizam preconceito.
No que se refere ao preconceito voltado contra o negro, especificamente, Cristina explica que ele vem de herancas historicas que persistem porque as estruturas de poder n?o mudaram. ?Enquanto continuarmos dizendo que n?o deve existir racismo, e as posic?es de prestigio forem ocupadas somente por brancos, estaremos enviando duplas mensagens socializadoras?, alerta.
Ela destaca ainda que, como criancas aprendem mais com exemplos do que com palavras, e preciso fazer mais que simplesmente dizer que todos os grupos s?o iguais e merecem respeito. ?E necessario deixar que elas vejam negros, indigenas e deficientes ocupando posic?es em que suas ideias tenham repercuss?o.?
Carreira
Para o Frei David Santos, diretor da organizac?o n?o-governamental Educafro, a pior de todas as discriminac?es e a silenciosa, que so as estatisticas conseguem enxergar. Segundo ele, na USP, por exemplo, menos de 0,01% dos professores s?o afro-brasileiros. ?Tivemos um caso de um professor universitario negro que concluiu mestrado e se candidatou ao doutorado. Estranhamente, a banca examinadora decidiu que ele n?o tinha preparo para seguir a carreira. Por que? Pelo fato de ser negro??, questiona.
Talvez pelo fato de ser diferente, como a professora Luciana Teixeira de Farias, do Rio de Janeiro. Desde a infancia, ela convive com uma deficiencia fisica e conta que, no seu primeiro emprego em uma escola, foi muito bem recebida pela coordenadora. Apos algumas semanas de trabalho, porem, ela conheceu a diretora da instituic?o, que voltava de ferias. ?Ela n?o gostou nada de me ver em sala. Disse que os pais das criancas n?o aprovariam. No fim do semestre, me mandou embora com a justificativa de que precisava cortar custos?, conta Luciana.
Outro agravante da historia e que, para n?o chamar a atenc?o do Ministerio do Trabalho, a diretora demitiu tambem a irm? de Luciana. ?Essa diretora mandou uma carta de recomendac?o para outro colegio. Fiz teste la, fui contratada e trabalhei por quatro anos naquela escola.?
Quando perguntada sobre o tratamento que recebeu dos colegas e alunos, a professora e enfatica. ?A escola acolhe muito mais do que o comercio ou a rua. Nada e perfeito, mas sempre fui muito bem tratada, sempre me compreenderam e respeitaram. Quando senti o preconceito, n?o deixei que ele me paralisasse.?
As escondidas
Entretanto, ela afirma que o preconceito em relac?o ao deficiente e velado. ?As vezes, voce faz uma entrevista maravilhosa por telefone, a pessoa diz que voce tem todos os atributos para ser um profissional daquela empresa e no dia seguinte, quando voce vai ate a instituic?o para assinarem a sua carteira, eles dizem que a vaga ja esta preenchida.?
Sensac?o de estar sendo enganado como a sentida por Luciana tambem ja foi notada pelo professor Ivan de Oliveira Freitas, deficiente visual. ?Quando fui procurar emprego no Estado, n?o queriam me dar. Prestei concurso, passei, mas uma junta medica disse que eu era inapto ao cargo pretendido. O erro, na minha opini?o, acontece porque, normalmente, quem avalia essa tal condic?o n?o e quem trabalha na area.?
Ivan conta que, quando chegou a uma escola estadual, a diretora da instituic?o comecou a colocar diversos empecilhos para que ele assumisse as aulas. Os problemas listados por ela iam desde os degraus ate a lista de chamada. Quem venceu pelo cansaco foi ele, que ficou com o emprego. ?Superada essa fase, nunca senti preconceito nem de colegas nem de alunos. Ja fui superprotegido, mas nunca discriminado?, explica.
Ex-alunos professores
Tanto Luciana quanto Ivan convivem com as deficiencias que tem desde a infancia. A diferenca e que Ivan sente-se mais seguro agora, ao contrario da colega de profiss?o. Ele estudou em uma escola especial durante todo o ensino fundamental. Nessa fase, n?o enfrentou tantos preconceitos.
Entretanto, eles so se apresentaram quando Ivan foi cursar o ensino medio e a faculdade de Educac?o Fisica. Nessa epoca, ele recebeu apoio de alguns professores e colegas, mas notou como era dificil a vida de um estudante do ensino regular que n?o enxergava. ?Senti mais dificuldade em cursar Educac?o Fisica do que em lecionar porque tem professor que n?o sabe ditar, tem sempre que escrever o conteudo todo no quadro?, revolta-se ele. ?Hoje observo que os professores reclamam muito quando tem de dar aulas para alunos com algum tipo de deficiencia. Acredito que exista mais preconceito contra o estudante do que contra o professor deficiente.?
Como lidar com o diferente?
?Deixando de lado o medo de se aproximar? e a resposta unanime dos entrevistados. O professor Ivan afirma que, na maioria dos lugares por onde passou, no lugar do preconceito, o que ele mais sentiu foi uma superprotec?o, que n?o era destinada so a ele, mas a outros professores que tinham algum tipo de deficiencia. Segundo Ivan, com o tempo esse excesso de zelo vai sendo deixado de lado.
Alem disso, ele acredita que a pessoa faz o ambiente. ?Preciso ser um excelente profissional, caso contrario, com atitudes negativas posso fechar as portas para outros deficientes?, preocupa-se. ?Costumo dizer que tenho de ser 11, e n?o 10. Tenho de me superar a cada dia, ser ainda mais competente, mais profissional, para mostrar o quanto sou capaz.?
Mas por que sera que essa cobranca e t?o grande assim? Talvez por puro preconceito. Se voce e professor e convive tanto com pessoas que sofrem quanto com pessoas que praticam atos preconceituosos, a psicologa Ana Luisa Menezes, da Faculdade de Santa Cruz do Sul, tem uma dica para lhe dar. ?O professor deve refletir e nunca tratar o preconceito com mais preconceito. De nada adianta excluir um colega preconceituoso ou tratar de maneira diferente um aluno que age dessa forma. E preciso estar aberto ao dialogo, em todas as situac?es.?
O professor Ivan concorda que essa e a postura que precisa ser adotada pela maioria das pessoas que fazem parte das chamadas ?minorias? quando elas entram no mercado de trabalho. Isso porque o profissional precisa ser muito bom e ter bastante autoconfianca para conseguir continuar no emprego. ?Quando voce chega, os alunos lhe respeitam, mas passada a primeira fase, eles resolvem sacanear, fingem que est?o fazendo o exercicio e n?o fazem, ficam brincando. Por isso, eu sempre escolho um aluno para ser o monitor da turma, os meus olhos, e n?o me deixo abater?, afirma.
De acordo com o professor, esse trabalho acompanhado de muito dialogo em sala de aula faz a discriminac?o perder forca. Luciana, por sua vez, explica que quase nunca sofreu preconceito na sala de aula, mas isso porque, logo no inicio do ano, conta sua historia, explica o motivo daquela deficiencia e pede aos alunos que conversem com os pais em casa, estimulem a levar os irm?os menores para serem vacinados, a fim de impedir que eles sofram com as sequelas da poliomielite.
Ideia
A psicologa Ana Luisa de Menezes afirma que uma das formas de preconceito menos debatida e a das pessoas em relac?o a elas mesmas. Ela explica que, muitas vezes, a pessoa n?o se da conta que n?o se aceita, e e ai que entra o papel de quem esta por perto. ?Falando sobre o tema em conversas com os colegas, o professor abre as portas para que essa n?o-aceitac?o venha a tona, e, so assim, possa ser refletida e combatida?, acredita.
Uma historia de n?o-aceitac?o aconteceu em Santo Andre, S?o Paulo. Uma crianca negra, chamada Bia, que frequentava uma das creches da prefeitura, n?o gostava de seu cabelo. Por isso, sempre pedia que eles ficassem presos. No entanto, sentia dor cada vez que alguem ia prender seus cachos. Por isso, preferia que eles ficassem alisados e se irritava com a umidade, que trazia os cachos de volta.
De olho no desenvolvimento da crianca e com a intenc?o de anima-la, as professoras da creche fizeram um pequeno livro com ilustrac?es e colagens que contavam as historias que entristeciam Bia. O resultado final mostrou a beleza de uma forma diferente de ser que a aluna ainda n?o havia percebido. Dessa maneira, o problema se resolveu.
Talvez, professor, esteja na hora de voce ter com os seus colegas o mesmo cuidado que tem com os alunos, ja que e muito dificil trabalhar e se desenvolver sem contar com apoio de quem esta por perto. Como dar o primeiro passo? Trabalhando a valorizac?o da identidade de seus colegas, como as professoras de Bia fizeram.
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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
Vítimas ou algozes?
Postado por
MESTRE CEARÁ
às
09:15
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